Biomassa Florestal e suas possibilidades
Por Carla Legner Edição Nº 75 - Outubro/Novembro de 2023 - Ano 13 -
Durante muito tempo, os resíduos da colheita florestal ou do processo de industrialização da madeira representavam despesas e muitas vezes prejuízos
Durante muito tempo, os resíduos da colheita florestal ou do processo de industrialização da madeira representavam despesas e muitas vezes prejuízos, uma vez que precisavam ser descartados sem que houvesse qualquer tipo de impacto ambiental. Hoje, a Biomassa tem inúmeras utilidades, desde a geração de energia até a produção de produtos de alto valor agregado.
Para entender melhor esse produto, podemos definir a Biomassa como conjunto de resíduos de origem animal ou vegetal utilizado como fonte de energia ou matéria prima para processamento industrial. “Normalmente nos referimos a madeira e casca proveniente do tronco, ramos e raízes, ligando-a ao processo industrial a que se destina. Por exemplo, biomassa para energia ou biomassa para celulose e chapas” – explica Erich Schaitza, da Embrapa Florestas.
Ainda segundo ele, em algumas situações, podemos mencionar também as folhas, como no caso de folhas de erva-mate para a produção de chás e chimarrão ou folhas de eucalipto para a produção de essências medicinais.
Madeira: é a forma mais comum de biomassa florestal. Ela pode ser utilizada de várias maneiras, como lenha para aquecimento doméstico, produção de carvão vegetal, fabricação de celulose, madeira serrada, laminados, chapas de partículas, bem como para geração de energia, por meio de processos de combustão ou gaseificação.
Galhos e folhas: Resíduos de árvores, como galhos, folhas e ramos menores, também são componentes importantes da biomassa florestal. Esses resíduos podem ser coletados e processados para produzir energia térmica ou elétrica, além de serem usados como matéria-prima na fabricação de produtos de biomassa.
Casca de árvore: A casca é frequentemente descartada em processos de processamento industrial da madeira, mas ela pode ser aproveitada como energia ou para a produção de produtos químicos, como no caso do tanino extraído da casca de acácia negra ou da cortiça na produção de chapas e rolhas.
Raízes: As raízes de árvores possuem as mesmas características físicas e químicas da madeira das árvores a que pertencem. Podem gerar produtos de madeira decorativa ou serem usadas em para a geração de energia.
“Vale ressaltar que a biomassa florestal é um importante depositório de carbono, podendo ser usada em processos de captura de carbono e na compensação de emissões de gases de efeito estufa” – enfatiza Schaitza.
Derivados de biomassa
Dentre os produtos derivados da biomassa estão os biocombustíveis, os óleos vegetais e o biogás. Os biocombustíveis são produzidos de substratos provenientes de produtos agrícolas e, é claro, da biomassa. A partir deles são realizados processos biológicos e químicos responsáveis pela origem de substâncias capazes de liberar energia, que podem ser utilizadas na locomoção de veículos, como etanol e biodiesel, e como fonte de geração de energia elétrica, como o biogás.
Além disso, a produção do Biometano decorre da purificação do Biogás, um processo que visa remover o teor de carbono e alguns contaminantes, principalmente o CO2, que não contém nenhum conteúdo energético.
Com o Biometano temos a energia, que pode ser transformada em energia elétrica (consumida em residências, por exemplo) e como substituto ao gás natural derivado de combustíveis fósseis, ou seja, pode ser utilizado na indústria para gerar energia ou como insumo industrial e combustível de transporte.
É importante mencionar que, diferentemente dos combustíveis fósseis e tradicionais, o biocombustível neutraliza a pegada de carbono e reduz a emissão de gases do efeito estufa (GEE) na atmosfera. Além disso, são produtos renováveis, uma vez que são criados usando recursos que podem ser reaproveitados ou repostos.
Em um comparativo, os combustíveis fósseis são obtidos a partir da decomposição de seres vivos, cujo processo demora milhares de anos para gerar determinadas substâncias, como o petróleo, o gás natural e o carvão mineral. A demora na formação os caracteriza como fontes de energia não renováveis. Sua grande capacidade poluidora e limitação de extração são os principais fatores negativos deste tipo de combustível.
Enquanto isso, temos os biocombustíveis que são extraídos de matéria orgânica, fonte praticamente inesgotável no mundo, já que a matéria-prima é retirada de plantações, florestas, dejetos de animais e resíduos sólidos urbanos. Além de serem menos poluentes, a produção de energia a partir deles propicia uma nova finalidade para alguns resíduos que, normalmente, seriam descartados.
Alguns exemplos de biomassas utilizadas na produção de biocombustíveis são: Bagaço de cana-de-açúcar para produção de bioetanol, Óleos vegetais de soja, mamona, amendoim, dendê, entre muitos outros para produção de biodiesel; Gordura de animais como o sebo de boi para a produção de biodiesel; Resíduos de lixo urbano e da pecuária para produção de biogás.
Geração de energia
Basicamente, o processo de geração de energia a partir da biomassa é um processo de queima. No entanto, é possível manipular a biomassa e usar diferentes processos de queima e gerar diferentes tipos de energia.
O método mais simples é gerar calor em uma fogueira com pedaços de madeira de diferentes tamanhos. Esse processo ocorre em padarias, fogões a lenha, fogueiras de São João, no fogo de chão para um churrasco de costela, num secador de grãos ou em um aquecedor de galinheiro simples.
Depois podemos complexar o processo usando a biomassa de forma diferente, picando madeira em cavacos ou em serragem para ser usada na forma de pó ou reagrupada na forma de pellets. Manipular o seu formato permite que se tenha processos de queima mais homogêneos e mais controlados.
Isso permite que se tenha mais geração de calor por unidade de massa. Além do que, a biomassa seja movimentada e armazenada de maneiras mais eficiente, com sistemas de alimentação de queima automatizados, mais práticos.
Também podemos manipular o processo de queima, controlando as condições de ar, incluindo outros gases na queima em substituição ao ar, mudando a pressão do processo, mas sempre queimando o material. Esses métodos modificados, assumem diferentes nomes e geram diferentes produtos.
É possível produzir carvão em um processo de pirólise, promovendo a decomposição térmica da matéria orgânica na ausência de oxigênio. Neste caso, saem voláteis da madeira e há uma concentração de carbono no material negro que chamamos de carvão. Há perda de massa, mas há um aumento do poder calorífico da biomassa. Com um quilo de carvão é possível de produzir quase duas vezes mais energia do que em um quilo de madeira.
Há ainda a geração de gases, em um processo chamado gaseificação. Aqui tudo começa com uma pirólise, mas pelo controle do ar injetado em uma câmara de combustão é possível transformar a madeira em um gás e posteriormente usá-lo como usamos o GLP ou outros gases. O resultado é chamado de “gás do produtor”, que já foi muito usado para mover carros a gasogênio ou para gerar energia elétrica.
Seguindo, no processo de geração de energia podemos substituir o ar no processo de gaseificação e gerar gases com muito mais energia do que o gás do produtor, maior conteúdo de hidrogênio. São processos mais complexos, mais caros, mas que geram um produto chamado de gás de síntese, rico em elementos como o hidrogênio e que permitem inclusive que se adote rotas para a obtenção de hidrogênio combustível.
Além disso, é possível usar o calor, o carvão e os gases para movimentar geradores, seja com o uso de caldeiras e com vapor movimentando motores e turbinas ou pelo uso direto de gases em motores a combustão para girar geradores elétricos.
Na indústria de celulose, por exemplo, a madeira é decomposta em pequenas fibras celulósicas e sobra um subproduto do processo chamado lixívia. É uma solução alcalina rica em produtos químicos, como soda cáustica (hidróxido de sódio) e sulfeto de sódio, resultantes do processo de cozimento químico da madeira para separar as fibras de celulose. A lixívia é uma mistura de componentes orgânicos e inorgânicos que pode ter potencial para ser aproveitada na geração de energia e outros processos.
E na área florestal, segundo Schaitza, há várias empresas que geram energia a partir da biomassa, queimando madeira, casca, raízes, misturando lixívia nesse processo, reutilizando calor para seus processos de produção e jogando energia na rede elétrica.
“Na geração de energia, a biomassa é despachável. O que quer dizer isto? A gente só consegue gerar energia solar quando tem sol. Só conseguimos gerar energia eólica quando há vento. Ser despachável quer dizer poder gerar energia no momento que a gente quer, a qualquer hora” – enfatiza o pesquisador da Embrapa.
A Biomassa é despachável. Essa é realmente uma grande vantagem, permitindo que a mesma seja usada de forma integrada a soluções não despacháveis como sol e vento. “Ela compõe um grupo de fontes de energia despachável junto com a energia hidroelétrica, gás e derivados de petróleo” – complementa Schaitza.
Ademais, as emissões de gases de efeito estufa da biomassa, mesmo que queimada, são muito menores do que as emissões de petróleo e gás. Não porque emitam menos no momento da queima, mas porque em seu processo de produção sustentável, árvores retiram gases do ambiente para seu crescimento e formação da biomassa.
Só se queima o que cresce e que foi captado da atmosfera. Como as florestas de produção no Brasil são plantadas para depois serem colhidas, são manejadas de forma que só é cortado o que é produzido, ou seja, o balanço da floresta é aproximadamente neutro.
Sol e vento não são facilmente armazenáveis. Biomassa é. Com isso, a facilidade de armazenagem também é uma vantagem. Outro ponto que vale a pena destacar é a de que a Biomassa gera emprego e renda em regiões próximas a sua produção. Hoje, as empresas florestais geradoras desse material mostram que renda e qualidade de vida na proximidade de empresas florestais são muito boas.
Capacidade produtiva no Brasil
As florestas plantadas no Brasil produzem aproximadamente 35 milhões de metros cúbicos de biomassa, sendo a base de uma indústria de aproximadamente 250 bilhões de reais por ano. Esse dado foi calculado pela Fundação Getúlio Vargas e pela Ibá, Indústria Brasileira de Árvores para o ano de 2022, e inclui a produção de celulose, papel, energia, chapas de madeira, madeira serrada e outros produtos florestais que dependem da biomassa florestal, especialmente madeira.
De acordo com Schaitza, a perspectiva é continuar crescendo. Há uma série de investimentos florestais a caminho, com novas indústrias, celulose, construções de madeira e novos produtos verdes, substituindo derivados de petróleo e plásticos vão crescer bastante.
Por outro lado, ainda segundo ele, nem tudo é tão otimista para alguns setores. À medida que será produzido cada vez mais produtos de maior valor agregado, áreas que industrializam pouco a madeira sofrerão por serem concorrentes das mesmas florestas e por terem menor capacidade de pagamento pela Biomassa, uma vez que seu produto tem baixo valor agregado.
Esse é o caso da madeira para energia. Com o aumento da capacidade de produção de papel, celulose, chapas de partículas e serrados de qualidade, a madeira que era vendida para queima em processos como secagem de grãos, indústrias de cal para construção, aquecimento de aviários, leiterias etc, sobe de preço pela procura dessas novas indústrias que agregam mais valor à madeira. Desta forma, surgem alguns desafios para a biotecnologia.
“Pensando no futuro, uma tendência interessante na área florestal é o uso de derivados da madeira em substituição a plásticos. Por exemplo, películas de nanocelulose gerando barreiras e embalagens anteriormente produzidas de plástico” – destaca Schaitza.
Contato
Embrapa: www.embrapa.br