Rodovias e saneamento prometem ser os segmentos de infraestrutura que despontarão por captação de crédito

em médio prazo, sobretudo se observado o volume de leilões anunciados por esferas governamentais estaduais e federais para este e o próximo anos.


Rodovias e saneamento prometem ser os segmentos de infraestrutura que despontarão em apetite por captação de crédito em médio prazo, sobretudo se observado o volume de leilões anunciados por esferas governamentais estaduais e federais para este e o próximo anos. São aproximadamente 58 certames previstos para 2025 somados os dois setores citados e energia, com uma demanda aproximada por crédito de R$ 306 bilhões. O desafio adicional no contexto é o patamar elevado da taxa de juros para captar por períodos mais longos – característica desse tipo de projetos.

Infraestrutura tem aumentado a busca por capital via debêntures, sobretudo as incentivadas, movimento que desponta desde 2021. Dados recentes da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), evidenciam que a cada R$ 4 captados via debêntures corporativas no ano passado, R$ 1 foi destinado ao setor – ou 25,7% do total de R$ 474 bilhões em títulos de dívida emitidos em 2024.

Observadas apenas as emissões de debêntures incentivadas destinadas ao setor, a soma chega a R$ 113 bilhões. O volume praticamente dobrou entre 2023 e 2024. “Acredito que [rodovias e saneamento] são os segmentos que devem aumentar mais a participação em emissões de debêntures incentivadas, embora não necessariamente neste ano. O componente dos juros [altos] joga contra”, avalia Caio Palma, gestor da Sparta. Ele comenta ser provável que, em 2025, muitas companhias busquem empréstimos ponte esperando “normalizar” os juros reais. O BNDES é um forte agente de financiamento junto ao setor.

Representantes de concessionárias, seja em rodovias, saneamento ou energia afirmam que o apetite segue, mas que as companhias vão diversificar instrumentos buscando o melhor meio. Palma, da Sparta, acrescenta que a demanda por crédito em infraestrutura tem “espaço para os dois bolsos” – referindo-se ao banco de fomento e ao mercado de capitais. “No ano passado, a emissão de debêntures incentivadas foi tão relevante quanto o desembolso do BNDES para infraestrutura. Não acho que somente o BNDES vai suprir toda a demanda, até porque as taxas são mais alinhadas com as de mercado”, diz o gestor.

Tiago Soares, diretor de assuntos econômico-financeiro da Abrate, que representa as transmissoras de energia, observa que depois que o BNDES saiu da dinâmica de juros subsidiados – e atrelou operações à TLP [Taxa de Longo Prazo, do BNDES] –, deixou de praticar taxa extremamente competitiva. “Passou a perder justamente para debênture incentivada”, acrescenta Soares. Procurado pela reportagem, o BNDES informou que: “pode ser o único investidor, se necessário, ou investir em conjunto com outros participantes do mercado de capitais. A estratégia adotada pelo BNDES é, sempre que possível, trazer outros investidores para as ofertas de debêntures”.

Para as companhias privadas que atuam em saneamento, a perspectiva para 2025 não é de substituição de instrumentos de captação, “mas de diversificação e combinação de fontes de financiamento para garantir a viabilidade dos investimentos planejados”, disse Christianne Dias, diretora-executiva da Abcon/Sindcon, representante setorial.

Ela reitera que o cenário atual de juros elevados encarece a captação de longo prazo, mas o contexto setorial hoje impulsiona a busca por crédito. É que o país tem metas a cumprir em saneamento, determinadas pelo novo marco legal do segmento (Lei 14.026 de 2020), o qual estipula a universalização dos serviços de água e esgoto no país até 2033. Isso acaba fomentando negociações por crédito.

“Debêntures incentivadas continuam sendo um importante instrumento de captação para as empresas do setor de saneamento”, continua. “Mas, dada a magnitude dos recursos necessários para o alcance da meta, os diversos instrumentos financeiros desempenham um papel estratégico e devem ser utilizados de forma complementar.”

A combinação de ferramentas envolve tanto a emissão de debêntures incentivadas e de infraestrutura, como bonds e a captação de financiamentos via crédito em bancos e organismos multilaterais. A alta taxa de juros é, sem dúvida, um desafio para investir, mas as oportunidades da infraestrutura são tão grandes no Brasil, que investidores seguem com apetite, opina Gesner Oliveira, sócio da GO Associados e ex-presidente da Sabesp.

“Novas concessões e licitações em saneamento devem continuar avançando ainda que a taxa se mantenha alta. A recuperação de volumes e da inadimplência, após o pico da pandemia, reafirmou a resiliência do setor, bem como houve algum avanço na regulação tarifária”, continua Oliveira.

Um estudo da Abcon/Sindcon feito em parceria com a KPMG mostra um recorte do potencial apenas em saneamento. A projeção evidencia a necessidade de R$ 900 bilhões em recursos para que o país alcance as metas do novo marco legal. Somente para 2025 estão previstos 26 processos licitatórios em saneamento, abrangendo 854 municípios em todos as regiões do país. Os investimentos chegam a R$ 71,2 bilhões, diz a Abcon.

Os principais leilões do ano ocorrerão para projetos em Goiás, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rondônia e Espírito Santo, segundo a GO Associados. Desde 2020, quando foi aprovado o marco do saneamento, operações municipais sem controle estatal saíram de 5% para 30% e, caso os projetos deste ano saiam do papel, provavelmente o setor privado poderá atender cerca de metade do mercado brasileiro ao final de 2025, disse Oliveira.

Já em rodovias, o país demanda ao menos R$ 200 bilhões de investimentos em projetos distribuídos em 31 leilões já anunciados para este ano. Desse total, há uma carteira de15 projetos federais com necessidade de R$ 161 bilhões ao longo da vigência dos contratos. O restante está na esfera dos governos estaduais.

A captação deve ocorrer no intervalo de dois a três anos da realização dos certames – a partir da assinatura dos contratos. “Ainda assim, não será todo o montante ao mesmo tempo, variando conforme o tamanho do CAPEX e os ciclos de investimentos de cada contrato”, disse Marco Aurélio Barcelos, diretor-presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR).

Barcelos diz que o aumento dos juros exigirá que a carteira futura de concessões de rodovias de todos os níveis de governo incorpore mecanismos para tornar as concessões mais atrativas, a exemplo do aumento da taxa de retorno dos projetos. “Nos projetos federais, o WACC [taxa de retorno mínima] usado na modelagem das concessões de rodovias reflete automaticamente as atualizações do valor da TLP e consegue acomodar melhor eventuais aumentos”, acrescenta.

O banco tem sido adquirente importante de debêntures de rodovias – bem como em outros projetos de infraestrutura. Mas, citam fontes, o banco revende parte dos títulos no mercado secundário. Ainda segundo a ABCR, o movimento de captação pelas concessionárias deve prosseguir neste ano. Há ainda um conjunto grande de obras de concessões em andamento, as quais seguem um cronograma estabelecido em contrato.

Energia: ‘gordura’ em transmissão

Em transmissão, há previsão de três leilões entre 2025 e 2026. O próximo, marcado para outubro, pode exigir R$ 5 bilhões em investimentos. Já as distribuidoras projetam R$ 30 bilhões anuais de aportes até 2027, via capital próprio e captação, seja por meio de debêntures ou outros tipos de financiamento, informa a Abradee, que representa o segmento.

“Considerada a demanda de crédito em transmissão, é preciso somar, para além do que vai ser leiloado [novos projetos], os investimentos recorrentes que as empresas fazem em relação ao esgotamento de vida útil de equipamentos”, disse Soares, da Abrate. Há contratos de concessão muito antigos, ativos desde a década de 1950, e quando a vida útil de equipamentos se esgota, a empresa de transmissão pode fazer a troca.

Soares diz ainda que a alta dos juros é uma preocupação legítima na conjuntura atual, já que pode afetar não só o apetite por novas concessões, mas também o nível do endividamento que foi contratado por companhias. Contudo, ele acredita que os investimentos devem seguir “sem maiores problemas” por pelo menos dois fatores: há empresas competitivas que não estão com endividamento tão alto e, além disso, existe ‘gordura’ nos preços praticados nos leilões.

No universo da transmissão energética, explica, os leilões têm ocorrido com deságio de 40%. Os certames são reversos, ou seja, as empresas competem e sai vencedor o que aceita receber o menor valor – a partir de um patamar máximo estabelecido pelo regulador. “O deságio hoje é de 40%, ou seja, o vencedor aceitou receber 60 em vez do preço máximo definido, de 100”, esclarece.

“Por mais que a taxa de juros esteja em um patamar realmente muito elevado, e a gente já vive isso há dois anos ao menos, ainda tem espaço para fazer o investimento. Justamente porque tem esse gap entre os valores das propostas vencedoras nos últimos leilões e o preço máximo estabelecido pela agência reguladora”, reforça o executivo da Abrate. Portanto, se a companhia precisa captar mais caro, compensa na ponta do ganho pelo serviço prestado.

Fonte: Capital Aberto

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