Enquanto as cidades europeias vêm diminuindo significativamente o uso de aterros sanitários e adotando modelos sustentáveis de reaproveitamento de resíduos
*Por Eduardo Porciuncula
A gestão de resíduos sólidos nos municípios brasileiros é um dos grandes desafios ambientais e urbanos da atualidade. Enquanto as cidades europeias vêm diminuindo significativamente o uso de aterros sanitários e adotando modelos sustentáveis de reaproveitamento de resíduos, o Brasil ainda caminha a passos lentos para transformar seu lixo em valor. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei 12.305/2010, distribui diretrizes claras para a destinação correta dos resíduos, mas, passados mais de 13 anos, grande parte dos municípios ainda falha na implementação, seja por limitações financeiras, técnicas ou administrativas.
A sustentabilidade já não é mais um diferencial competitivo e sim uma necessidade. O compromisso com práticas responsáveis de gestão de resíduos não apenas promove um impacto ambiental positivo, mas também impulsiona novas oportunidades de negócios e inovação. Investir em tecnologias para transformar resíduos em energia limpa representa um avanço significativo na transição energética e na mitigação das mudanças climáticas.
A gestão sustentável dos resíduos gerados pelas atividades domésticas, comerciais e industriais desempenha um papel crucial na preservação do meio ambiente. Apesar dos desafios enfrentados pelos municípios brasileiros, a gestão de resíduos representa uma oportunidade valiosa para transformar rejeitos não recicláveis em energia limpa.
Para se ter uma ideia, um estudo da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema) estima que 33 milhões de toneladas de resíduos foram destinados de forma inadequada em 2022, representando não só um problema ambiental, mas também econômico, podendo custar até R$ 130 bilhões até 2050. Iniciativas como o coprocessamento, que transforma rejeitos não recicláveis em energia limpa, surgem como uma solução crucial para mitigar esse cenário.
Para se ter uma ideia da magnitude do problema, cada brasileiro produz, em média, um quilo de resíduos sólidos urbanos por dia. São bandejas de plástico, papéis engordurados, esponjas de cozinha, isopor, embalagens metalizadas e de produtos congelados, etiquetas adesivas, colchões, sofás e até fotografias. De acordo com a Abrema, esse volume seria suficiente para encher 2.000 estádios do Maracanã.
O Painel de Resíduos Sólidos produzido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) mostra que o Brasil gera mais de 700 milhões de toneladas de resíduos industriais por ano. A Abrema aponta que 41,5% dos resíduos sólidos urbanos ainda têm destinação inadequada, sendo que 35,5% vão para aterros não controlados e 5,7% são queimados no local de geração sem controle ambiental. Tudo isso representa uma grande ameaça ao meio ambiente e à saúde pública.
Os números contrastaram fortemente com a realidade das cidades europeias. Em Copenhague, por exemplo, menos de 2% dos resíduos vão para aterros, enquanto o restante é reciclado ou transformado em energia. Já em Milão, uma coleta seletiva atingiu cerca de 63% da população, resultado de um sistema eficiente de separação na fonte e incentivos financeiros para quem reduz a geração de lixo.
É nesse contexto que a gestão de resíduos entra como uma ferramenta estratégica para o desenvolvimento sustentável. Por meio do coprocessamento, resíduos não-recicláveis são fontes alternativas de energia para a indústria cimenteira, por exemplo, reduzindo significativamente o volume de resíduos destinados a aterros e mitigando a emissão de gases de efeito estufa.
Resíduos não-recicláveis, como plásticos e papelão contaminados, podem ser transformados em CDR – Combustível Derivado de Resíduos – uma alternativa sustentável ao uso de combustíveis fósseis. Restos de plásticos, embalagens flexíveis, EPIs, papéis e tecidos contaminados também podem ser utilizados para produzir CDR, promovendo a economia circular e garantindo que materiais antes descartados sejam reaproveitados como energia limpa.
A transição para uma gestão de resíduos mais eficiente exige não apenas infraestrutura e tecnologia, mas também um forte investimento em educação ambiental. A conscientização sobre a destinação correta dos resíduos é essencial para que as regras e metas estabelecidas pelo Plano Nacional de Resíduos Sólidos saiam do papel.
A COP 30, que será realizada no Brasil, trará ainda mais relevância para o debate sobre energia limpa e gestão sustentável de resíduos, colocando o país no centro da discussão global sobre soluções inovadoras para a redução das emissões e preservação ambiental.
Convido gestores municipais e empresas a repensarem suas estratégias de destinação de resíduos. Com soluções inovadoras e sustentáveis, é possível transformar desafios ambientais em oportunidades de desenvolvimento econômico e social. O lixo, muitas vezes tratado como um problema, pode ser a chave para um futuro mais sustentável e eficiente para todos.
*Eduardo Porciuncula é engenheiro e Gerente Geral na Verdera, unidade de gestão e destinação sustentável de resíduos da Votorantim Cimentos.